Capítulo Quatro: A chave da questão

Em casa as coisas continuavam iguais. Mas eu me sentia muito mais motivado a ir pra escola. Aliás, eu me sentia motivado para estar em qualquer lugar menos em casa. Com quem eu poderia conversar? Oh, é verdade, a Tina Tuner. Tina Tuner é o nome da cachorrinha poodle preta que minha mãe tem. Muito mais filha dela, do que eu. Tina gostava de ficar me seguindo pela casa, pra cima e pra baixo. As vezes eu abaixava, acariciava a cabeça dela e perguntava algo:

-Tina, você acredita na nossa sociedade atual?

Tina abana o rabo afobada, e eu trato isso como um ''mas é claro, cara"

-Droga, Tina. Você não devia ser tão inocente, sabia? - Digo a ela, e continuo meus afazeres.

De vez em quando olho pela janela do meu quarto, pra casa da direita. Não há muitas pessoas morando ali, no final das contas. Pelo que eu andei investigando esses dias, através de olhadelas frequentes pelo meu vidro é uma mulher (provavelmente a mãe), um homem velho (provavelmente o pai), um garoto adolescente (provavelmente o fruto dessa relação) e um ou dois empregados. Nada dela. Dela quem? Da menina do vestido vermelho, oras! Aliás, precisava saber o nome dela, pra parar de chamá-la assim. Prometo a mim mesmo que na manhã seguinte vou prestar atenção quando a chamada de presença for feita e descubro o nome dela.
Já decorei cada parte dessa casa, se quiserem me por uma venda e me desafiar a buscar algo em algum lugar da cozinha até meu quarto, farei sem dificuldades. As horas passando são massantes. Sinto falta dos meus amigos e da loucura que é morar em São Paulo. Aí é quando me lembro do barzinho/lanchonete que minha mãe havia falado:

-Alô, mãe?
-Sim, Oliver, meu filho. Algum problema? Está tudo bem?
-Tá sim. Eu só liguei pra perguntar...lembra aquele barzinho que você falou pra mim?
-Qual bar?
-O nome era alguma coisa & alguma coisa. Acho que tinha haver com canela.
-Ah, sim...claro. O Cereja & Capuccino.
-Isso. Onde fica?
-No centrinho da nossa cidade, há 15 minutos daí de casa.
-Eu decidi que quero conhece-lo. Está um tédio passar as tardes aqui, sozinho.
-Claro, claro! Assim que eu chegar nós vamos até lá e, sabe, eu não sou tão ruim assim no bilhar. Faremos duas duplas, eu e o Augusto...Você e a Judite. Judite é uma amiga minha aqui do hospital, ela sempre está querendo diversão. Você acha uma boa idéia leva-la comigo?
-Não, mãe. Na verdade, são 16:15. Você só chega 21:00. Eu queria ir até lá agora.
-Bom, como quiser. Fale para o Augusto te levar, o carro está aí, não está?
-Posso ir de ônibus?
-Ônibus?
-É, sabe. Transporto publico.
-Eu sei o que é um ônibus. Mas, tem certeza?
-Sim.
-Então vá. Pegue o dinheiro necessário na gaveta e anote aí o endereço preciso do Cereja & Capuccino.

Peguei o ônibus. Aproveitei e dei mais uma boa observada na Dom Basílio. Cidadezinha de nome feio e chato, mas que estava se apresentando instingante e agradável. Ou quase isso.
O Cereja & Capuccino ficava numa esquina, entre um pet shop e uma casa de massagens. Era muito amplo, e tinha três andares, com o térreo. O primeiro, térreo, era praticamente vazio, mas muito espelhado. Tinha um enorme balcão lá no final com todo o tipo de bebida que você quisesse beber. Eram quase 18:00 ainda, eu não podia. Subi as escadas e encontrei pessoas! Pessoas juntas, em várias mesinhas espalhadas pelo salão. Logo ali, outro balcão com outras bebidas. Logo lá, uma junkebox. Aqui era frequentado por praticamente todos os adolescentes da região. O terceiro andar era uma pista de dança que só funcionava sextas, sábados e domingo. De modo que me senti melhor sentando numa dessas mesinhas. Sozinho. Pedi um milk shake de chocolate. Eles tinham milk shake de chocolate! Isso não é genial? Voltei pra casa, as 18:30. O Cereja & Capuccino deve ser um grande lugar no fim de semana. Hoje parecia mais um barzinho comum-qualquer. Depois de descer do ônibus, caminho um pouco até minha casa. Um pouco antes de ir portão adentro, vejo a senhora vestido vermelho-vinho denovo (só pra deixar claro, ela não estava usando um vestido vermelho-vinho toda vez que eu a via, isso era só força de expressão). Ela estava aparentemente tendo dificuldades em abrir o portão da casa dela, a da direita. Então, ela morava lá? Ou só ia lá as vezes? Eu me inclinei a oferecer ajuda, mas a minha maldita timidez não deixou.

-Você pode me ajudar?

Se a montanha não vai até Maomé...

-Como? - perguntei fingindo não ter escutado, mas na verdade estava criando tempo para respirar e tentar não agir como um retardado.

-Você pode me ajudar? - Ela perguntou denovo, sem mudar nem tom, nem entonação - É essa chave, acho que ela está emperrada aqui.

-Claro, eu vou ver se consigo arranca-la.

Vamos Oliver, arranque a chave, não faça feio. Você tem que conseguir! Você tem que conseguir! Você tem que conseguir! Você tem...opa! Consegui!

-Obrigada. - disse, e sorriu educadamente.

Eu fiz um maneio com a cabeça, sorri, virei as costas e entrei. Passei pela sala:

-Oi, Oliver.
-Oi.
-Como você foi lá no barzinho?
-Legal.
-Quer alguma coisa? O que quiser, pode falar. Se precisar de algo, encontraremos.
-Não, eu estou bem. Obrigado.

Deixei o Augusto envolvido em seu jornal e sua taça de Chadornnay, e subi ao meu quarto. Me odiei do fundo da minha alma. Que banana! Me olhei no espelho e disse a mim mesmo:

-Bonito, não, meu velho? Custava perguntar qual era o nome dela? Ou simplesmente comentar como quem não quer nada "Puxa, estamos na mesma sala não é? Oh, você mora aqui? Eu sou seu novo vizinho, que tal uma copo de refrigerante? Você quer? Venha, entre. Não, a Tina não morde..."

Mas não, não fiz isso. Na verdade eu não fiz nada. Tudo que eu disse foi um "Como?" e um "Claro, eu vou ver se consigo arranca-la" sem graça, sem brilho, xoxo e nada animador. Ela falou comigo, puxou papo. Eu devia ter iniciado um papo. E se a chave dela não estava emperrada coisissima nenhuma e ela só usou esse pretexto pra falar comigo? E eu me saí um belo bacaca! Palmas pra mim. Ou quem sabe, ela nem esteja pensando nisso agora tanto quanto eu. Talvez ela nem esteja pensando em nada disso, e a chave estava mesmo emperrada. Ela fez o que qualquer um faria, pediu ajuda ao primeiro que encontrou. Podia ter sido o Augusto. Pra que diabos ela poderia querer um pretexto pra falar comigo? Eu, o super-sem-graça. E pra que diabos eu estava preocupado com isso? Tina apareceu. Eu acariciei a cabeça dela:

-Tina, você acha que a menina do vestido vermelho sabe que eu existo?

Tina nem se move. Nem sequer pisca. Eu dou um tapa na cabeça dela, e ela sai correndo escada abaixo. Tadinha. Mas ela me irritou. Que cachorrinha mais pessimista! É claro que ela sabe que eu existo! Eu desemperrei a chave dela, não foi?

11 comentários interessantes:

@Vehfire 3 de jun. de 2009, 17:37:00  

A cada capítulo novo eu gosto mais da história! =]

CLEITON CAC 3 de jun. de 2009, 18:36:00  

rss nossa coitada da cachorra nem culpa ela tem rss adoro essa historia cada vez mais, continue please!!! rss um abraço e espero o próximo capitulo logo!

Rob,  4 de jun. de 2009, 07:46:00  

HUmm cachorro pessimista [blz]


thisssss


flw ai

Anônimo,  4 de jun. de 2009, 17:44:00  

Parabéns tu escreve bem...e que cachorra mais doida hein.

Abraços.

Blog: Cultura Dinâmica

www.culturadinamica.wordpress.com

CLEITON CAC 4 de jun. de 2009, 18:05:00  

Bom to sempre aqui rss valeu, eu sempre espero o outro capitulo rss um abraço!

mailson 4 de jun. de 2009, 18:07:00  

auhhuhuaauh cachorrinha doidera mew
escreve bem cara parabens pela coluna

Maria Chuteira 4 de jun. de 2009, 18:07:00  

onde é que eu compro esse livro hein?? rsrsrsrs

esperando cenas dos proximos capitulos..rs

Marcello Stella 4 de jun. de 2009, 18:12:00  

sensacional amigo

bela observação da vida

^^

http://marcellostella.blogspot.com/

Rafa 4 de jun. de 2009, 18:20:00  

Retribuindo a visita ao Cemitério...òtimo blog, tens muito bom texto

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Eu que fiz, não gostou? Quebraeu!

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