Capítulo Nove: Um sentimento forte demais

Na tarde seguinte eu estava lá. E na outra tarde também. Passei a ir todas as tardes na casa da Megan e do Bernard. Era como se nos conhecessemos desde a nossa infância e nós nos entendiamos em tudo. Não tinha esse negócio de um querer ser melhor que o outro, ou impor seu ponto de vista pro outro. Agente falava de nossos sonhos e desejos, músicas e paixões e até das nossas fraquezas sem medo que isso pudesse ser utilizado contra o mesmo. Passamos a ir a escola juntos. Claro, que todo mundo olhava pra gente como se eu estivesse com trinta braços e ela com vinte cores de pele. Mas isso não importava pra gente. Nós não falávamos com ninguém, nem precisávamos. Fazíamos todos os deveres juntos, líamos juntos, ficávamos o tempo todo juntos. E as tardes eu ia na casa dela, pra passar mais tempo junto com ela e com o Bernard. Até aí, ainda sem a ciência dos pais deles. Parecia-me que eles eram ultra rígidos ou alguma coisa do tipo...Mas ficar conversando com eles e me divertindo pra valer com eles escondido era bom! Do nada a mãe dela chegava e eu voava pela porta dos fundos pra minha casa. Depois nos víamos pela janela e caíamos de tanto rir! Achava isso um treco fascinante!

Em casa, as coisas com o Augusto iam de mal pra pior. Não sentia nenhuma vontade conversar com ele. Só a idéia de morar debaixo do mesmo teto que esse senhor me tirava do sério...Um certo dia estávamos eu, ele e minha mãe na cozinha. Eu estava sentado a mesa, e ele sentado a minha frente. Minha mãe estava de costas, em frente a pia.
Sem querer, derrubei um pouco de leite na mesa. Augusto dramatizou, do mesmo jeito que Kate Winslet quando Leonardo di Caprio morre em Titanic. Fiquei bobo ao ver ele me culpando por algo que não foi intencional...

-Será que você não está bem grandinho, Oliver?
-Mãe! - Eu disse, procurando socorro.
-Tudo bem, foi só um pouco de leite....
-Tudo bem não Regina - Velho maldito! - Seu filhinho está cada dia mais rebelde, e fazendo coisas pra chamar atenção. Mas derrubar leite de propósito....por favor hein, Oliver!
-Não foi de propósito, meu caro...pra que eu faria isso? É ridículo...
-Deixem que eu limpo isso, e fim de assunto.
-Isso é ciúmes do novo irmãzinho. Eu não consigo acreditar! - Disse ele.

Eu é que não consegui acreditar! Essa é boa! Eu com ciúmes do meu irmão, que piada....
Peguei meu copo e virei todo na mesa, consegui assim sujar o terninho do Augusto e um castigo da minha mãe. Segundo ela, eu ficaria um mês sem sair de casa. Que maravilha. Mesmo assim, não deixei de ir na casa do Bernard e da Megan. Não imaginava minhas tardes sem eles, e nem ligava se Augusto me achava estranho ou não, se minha mãe não passava tempo comigo ou se ela já estava quase parindo...

-Oliver, você já amou alguém?

Megan me perguntou isso em uma das tardes que passei lá, com eles.

-Claro que já amei alguém. - Respondi com sinceridade
-Não, cara. Ela tá falando sobre amar de verdade. - Bernard parecia não acreditar muito na minha resposta.
-O que seria amar de verdade?
-Se você ama uma pessoa, e você não pode estar com essa pessoa, você vai morrendo por dentro, dia após dia...porque o amor é um sentimento forte demais. - Disse Megan.

Parei pra pensar durante uns cinco minutos. Ficamos calados.

-E você, já amou alguém? - Perguntei.
-Sim, eu amo você. - Disse ela.

Nos beijamos.

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Capítulo Oito: Augusto, imbecil.

Respirei fundo, passei pela sala. Augusto estava ali, sentado me olhando com uma mistura de ódio e vergonha. Não sei porquê, mas ver ele daquele jeito me deixou muito furioso. Eu odiei o jeito dele, o rosto dele, a poltrona imbecil dele, o jornal velho dele, a taça de Chardonnay dele. O jeito que ele se referia a Soko, e como ele me considerava um garoto "estranho". Levantei a cabeça e esperei ele pronunciar as primeiras palavras pra disparar as minhas. Afinal, quem ele achava que era? Meu pai? Longe disso. Era apenas o companheiro da minha mãe. Não tinha o direito de me trocar de quarto, muito menos de querer me passar sermões.

-Sente-se, nós vamos conversar. - Ele disse sério. Revirei os olhos, dei um suspiro abafado e sentei na frente dele.



-Conversar? Você quer conversar? Poxa, que evolução...



-Eu entendo que pra você está sendo difícil se adaptar Oliver. Eu entendo que deixar São Paulo e toda sua vida lá foi doloroso pra você, renunciar aos seus amigos, casa e quarto. Lugares que gostava. Mas eu não tenho culpa disso tudo.



-Aí é que está a questão, Augusto. Você não tem culpa. Aliás, você não nada a ver com tudo isso. Você não tem que se sentir pressionado a tentar nenhum contato comigo. Eu sou estranho demais pra você, não é?

-Ora, mas o que queria que eu disesse? Você mal sai daquele quarto! Não aguento mais essa música que você ouve, você não conversa, não se interessa por nada. Eu tento falar com você e você responde sempre duas ou três palavras!



-É que não é muito animador, conversar com você. Você provavelmente iria querer falar sobre o presidente, ou como a política nacional está sendo revolucionada...



-Não, não, não. Você não pode dizer sobre o que eu quero conversar, antes de conversar! Tá vendo, você não ajuda garoto...



-Eu sei o jeito que você me olha Augusto.



-Ah, sabe senhor "vá se foder"?



-È, sei. Você está incomodado comigo aqui. Porque antes era a minha mãe no hospital, e você aqui sozinho. Sem nenhum maldito adolescente pra te encher não é? Por isso tentei ficar mais na minha possível, pra te deixar com toda a privacidade que você sempre teve antes de eu chegar...e agora vem me dizer que eu não quero ajudar? Ora...



-Ah, toda privacidade possível? Ouvir essas músicas altas, é me deixar com privacidade?



-Eu mal olho na tua cara! A única coisa que eu posso fazer nesse fim de mundo é ouvir minhas músicas e você quer me revogar esse direito??



-Não quero revogar direito nenhum, apenas quero que abaixe o som. E se isso é um fim de mundo, você estaria melhor na Grécia com seu pai.



-É, provavelmente sim. Ele é dez mil vezes melhor pai que você. Só não se esqueça que não foi pra ficar com você que eu vim pra cá. Foi pra ficar com a minha mãe, e é com ela que eu vou ficar.



-Não vou te impedir de nada.



-Coitado do meu irmãozinho que vem por aí viu...



-Coitado da sua mãe, se ele for como você!



-Cale a boca!



-CALE A BOCA VOCÊ!



-CALE A BOCA VOCÊ!!



Me levantei, e fui pro meu quarto. Bati a porta, e fiquei andando de um lado pro outro de tanto ódio. Mas que cara incoveniente, que imbecil! Que imbecil, imbecil, imbecil, imbecil, imbecil! Vontade de voltar lá e tacar vinho na cara dele. Só pra ele ver o que é bom pra tosse! Não vou sair de perto da minha mãe, não vou sair dessa casa! Se meu pai me ligasse e perguntasse "Quer vir passar uns dias aqui comigo, na Grécia?" Eu diria um NÃO! Mas, se ele me perguntasse "Quer vir morar pra sempre aqui comigo, na Grécia?" Eu não pensaria duas vezes antes de fazer as malas. Saudade do meu pai. Meio na dele, meio durão, mas muito brincalhão nos momentos de lazer e muito atencioso! Que porra eu tenho aqui em Dom Basílio? Uma mãe ausente e um padrasto insuportável. Bah! Que lixo...Bem verdade, mamãe queria jogar bilhar comigo! Bilhar! Em Dom Basílio! Com a amiga Judite dela! Aja Bernard e Megan pra me divertir viu!



Bernard e Megan! Nossa, que viagem foi essa tarde na casa deles! Que negócio louco nós três nos divertindo! Eu sentia como se meu lugar fosse aqui em Dom Basílio quando eu pensava no quanto eu gostava desses dois. E de como era a sensação de conhecer eles há anos e anos...E de Megan. Linda, como uma princesa. E extremamente divertida quando ri...um riso encantador. Algo parecido com o riso da Kirsten Dunst no filme Tudo Acontece em Elizabethtown.


Olhei pela janela. Ela estava no quarto dela com Bernard lendo alguma coisa, um pro outro. Não conseguia compreender o que é. Ela lia, então ele prestava atenção e respondia. Então, era a vez dele ler e ela escutar e responder. Parecia um jogo. Mas eles estavam sérios. Davam algum sorriso aqui e ali, mas estavam sérios na maior parte do tempo. Eu podia ficar os restos dos meus dias em Dom Basílio olhando por essa janela. Era minha dependência. Fechei a cortina, e deitei na cama. Olhando pro teto. Não parava de pensar nas ultimas horas. Em Megan. Em Bernard. Em Aldous Huxley e Charlotte Brönt. Em Cyndi Lauper e She Bop. Em Michael Pitt e em Kirtens Dunst. Precisava passar mais horas com esses dois, e menos horas com o Augusto. Com certeza!

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Capítulo Sete: Os novos sonhadores


Bernard riu. Sentou na cama de Megan e disse:
-O que ele está fazendo aqui?

Megan fechou a porta.
-Ele é o garoto da casa ao lado. Eu o convidei.

-O cara que andava espionando agente?

-É. Eu dei um flagrante nele pela janela.

-Eu não fiz por mal...

-Eu sou o Bernard. Irmão dela.

-Eu acho que eu devo ir embora agora. - Eu disse. Mas na verdade essa não era a minha vontade. Eu queria saber mais. Eu queria explorar mais o universo Megan&Bernard. Eu queria saber como eles eram. E não era nenhum pouco sedutora a idéia de chegar em casa e encontrar o Augusto prontinho pra me passar um sermão depois do "Vá se foder" que eu disse a ele. Bernard disse:

-Você não pode ir agora. - Graças a Deus! - Nossos pais estão lá embaixo. No mínimo eles entrariam em curto circuito ao te ver saindo do quarto da Megan e passeando pela sala deles tranquilamente até a saída.

-Depois viria um interrogatório do tipo monstro. - Continuou Megan - E então você iria embora meio tonto com todas as perguntas, depois eles viriam até aqui e com o maior prazer repetiriam toda a história pra mim e pro Bernard. Vamos evitar isso, tá bem?

-Se eu fosse você, eu sentava aí e esperava os dois voltarem pro escritório.

Eu estava em choque digerindo esse papo todo, me sentei.
-Por que tudo isso? - Perguntei.

-Não trazemos ninguém aqui sem a permissão deles. - Disse o irmão dela - E a Megan, bom...ela nunca traz ninguém aqui. Ela não tem amigos.
Bernard disse isso numa sinceridade tão natural, e Megan ficou tão sem reação que eu nem me atrevi a expressar nenhuma compaixão por ela.

-Sou anti-social, Oliver. Não tem porquê falar com os outros se não tenho vontade. Minha mãe e meu pai já se acostumaram com isso. Me levam no psicólogo desde que eu tinha doze anos, quando a minha melhor e única amiga, Sara, morreu.

-Vou buscar uns sanduiches pra nós. Estou com fome!

Bernard desceu e voltou alguns minutos depois com uns lanches que tinham hamburgures. Infelizmente tive que recusar. Eles ficaram curiosos com meu vegetarianismo:
-Você não come nem peixe?

-Não, Bernard. Animal nenhum. Nem os que nadam. - eu disse. Megan olhou pros meus pés.

-Mas você está usando couro. -Ela disse e riu. Eu ri. Meu all star realmente era de couro.

-Essa coisa de vegetarianismo é uma bobagem. Nós somos humanos e estamos no topo da cadeia alimentar. -Disse o Bernard e me deu um sanduiche. Não comi. Passamos umas boas horas conversando. Num certo momento:

-Caramba, Bernard! Ele é o Matthew! - Disse Megan.

-Que Matthew, maluca? Não ligue Oliver, ela se droga com frequência...

-Não diga besteiras, meu velho! Estou falando do Matthew do "Os sonhadores".

-Os Sonhadores? De Bernardo Bertolucci? Eu não quero ser o Theo...-disse Bernard e começou a tirar a roupa - Não sou tão depravado como ele, sou Oliver?

Ligou o som no volume máximo em "She Bop" da Cyndi Lauper e começou a dançar tirando a roupa. Megan se rolava na cama de tanto rir, eu comecei a rir também. Tanto dele, que dançava de um jeito desengonçado e muito engraçado, como também da Megan que eu nunca tinha visto rindo desse jeito. Ela tinha uma gargalhada muito divertida de se ouvir. Não me segurei e me rendi aos risos soltos, entre "Hey, hey--they say I better get a chaperone / Because I can't stop messin' with the danger zone" eu comecei a tirar a camisa e a dançar também. Tudo isso terminou numa explosão de riso e nós três no chão. Quando a música parou nós ficamos em silêncio ouvindo um pouco. Não havia mais ninguém em casa além de nós três agora.

-Tenho que ir agora aproveitar a chance. - Eu disse vestindo a camisa. - Infelizmente não sou Michael Pitt e não estamos em Paris.

-Volte amanhã para assistirmos juntos. - Disse Bernard.

-Pela vigésima oitava vez!

Eu fiquei olhando pra eles.

Em "Os sonhadores" Theo e Isabelle são irmãos gêmeos que vivem todo quanto é tipo de experiência sexual juntos. Imaginava se eles chegavam a tal ponto. Acho que devem ter traduzido minha cara, porque antes de fechar a porta da sala Megan disse "Não, cara. Eu e ele não fazemos sexo!" Os dois sorriram e entraram.

Eu estava flutuando, mas quando entrei em casa, Augusto causou o mesmo efeito que um alfinete tem sob uma bexiga cheia. Bum! Voltei à realidade. Aí vinha uma discussão daquelas!

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Capítulo Seis: Bernard

Quase tropecei nos degraus da escada da sala, de tanta ansiedade. O que será que a Megan, Me-gan, queria comigo? Na sala o Augusto estava lendo seu jornal pra variar...

-Oi Oliver.
-Vá se foder!

Quando finalmente cheguei lá fora, dei uma boa respirada e toquei a campanhia da casa dela. Foram os quarenta e três segundos mais longos de todos os meus dezessete anos. Eu devia estar muito preocupado em arrumar desculpas e explicações por ter olhado tanto pra ela na escola e diariamente através da minha janela, mas eu nem tava pensando nisso. Só queria ver ela mais de pertinho. Ela abriu a porta:

-Oi.
-Oi.
-...
-Você é o novo vizinho, né?
-Oliver.
-Hã?
-Oliver. Meu nome. Oliver. Oliver Frieddbach.

Ela riu

-Você vai ter que soletrar isso pra mim, depois.
-F,R,I,E,D,D,B,A,C,H.
-Obrigada.
-De nada.

Tá vendo? Eu me comportando igual um retardado.
Augusto veio pra fora:

-Oliver, que história é essa de me dizer essas coisas, garoto?!
-Eu sou um garoto estranho, lembra? - Eu disse, vingativo.
-Muito estranho, e mal educado!
-Aprendi com aquela cantora com nome de agressão física - Eu disse mais vingativo ainda!
-Oliver!

-Se você não se importa, doutor, ele está conversando comigo agora. - disse a Megan.

Dessa vez, o Augusto caprichou na expressão facial e entrou. Megan e eu rimos.

-Qual é a dele? - ela perguntou.
-Sei lá, ele só é meio confuso. Acho que ele não gosta de mim.
-Você quer entrar?
-Posso?

A casa estava vazia. Nenhum sinal de vida, a não ser a nossa. Ela tinha um piano na sala. Fantasiei que ela passava as tardes tocando músicas tristes e bonitas como "Ode to my family" do The Cranberries.

-Você toca?
-Não.
-Não?
-Não.
-Como não?
-Ué, eu não toco. Quem toca é o meu irmão, Bernard. Ele ama isso aí. Eu não tenho paciência, nunca quis aprender tocar.

Ok, meu conceito-the-cranberries foi por água abaixo.

-Então o que você faz?
-O que eu faço pra que?
-Sei lá, pra passar o tempo, as tardes...
-Bom, eu não só leio o tempo todo. Eu faço outras coisas. Internet.
-Eu estive te observando esses dias, eu...
-Eu sei. Eu vi.
-Eu tenho que te pedir desculpas. É que nessa cidade não tem nada pra fazer, então eu ficava no meu quarto, e a janela era aquela e...
-Tudo bem, tudo bem Oliver. Não precisa dar mil satisfações. No começo eu achei meio, esquisito. Na escola também você não parava. - Ela sorriu - Isso me deixou curiosa. Quis saber mais de você.
-A primeira vez que eu te vi, foi na festa.
-Festa?
-A festa que teve. Tinha um monte de gente, e jovens com roupas maneiras...e você estava deslocada de tudo isso. Isso me deixou intrigado. Parecia que você estava...
-Triste?
-Triste.
-Era o aniversário do Bernard. Ele trouxe todos os amiguinhos imbecis deles. Não gosto deles.
-Entendi. Achei que você fosse a aniversariante.
-Eu? Não, não gosto de festas.
-Entendi.

Silêncio. Ficamos olhando um pra cara do outro.

-Você já foi no Cereja&Capuccino?
-Como?
-Cereja&Capuccino. O barzinho lá no centro.
-Aquele bar? Detesto.

Megan era diferente. Aparentemente ela odiava tudo que os outros mais amavam. Eu achava isso legal, mas não era de se admirar por que ela não falava com ninguém no colégio.

-Por que você não fala com ninguém no colégio? - Tive que perguntar.
-Não perco meu tempo.
-São todos estúpidos?
-São.
-Concordo. Eles nem sequer conhecem autores decentes. J.K Rowlling é uma grande inscritora, mas não me adiciona muito conhecimento com varinhas mágicas e vassouras voadoras.

Ela riu, eu ri.
Um barulho. Um carro chegou.

-É minha mãe e meu pai - ela disse - Você vai ter que ir embora.
-Por que?
-Eu nunca trago ninguém aqui, sabe. Vai ser meio chocante.
-Nunca?
-Caramba, vem comigo!

Era tarde demais pra sair pela porta da frente. A porta dos fundos não era uma opção inteligente, então fomos para o quarto dela. Eu entrei, o quarto dela era previsivelmente organizado. Claro. Tudo no seu devido lugar, tudo tão limpo que até incomodava.

-Não faça barulho muito alto - Ela disse. Eu pensei "O que seria um barulho muito alto?"
-Maravilha. Há cinco minutos atrás eu nem te conhecia, e agora já estou no seu quarto!
-Não é um progresso fascinante?

Sentei numa poltrona que tinha lá. Do lado, Jane Eyre.

-Terminou?
-Sim, não gostei do final.
-Eu prefiro Jane Eyre do que Brave New World.
-Ah, eu fico em dúvida.
-...
-E você veio da onde?
-São Paulo.
-Resolveu morar com o Roberto Justus é?

Eu não aguentei e dei uma risada mosntro. Ela tapou minha boca, eu pedi desculpas.

-Eu também acho ele a cara do Justus!
-Eu sempre achei. - disse ela rindo.
-Ele é o marido da minha mãe, na verdade é com ela que eu vim morar. Meu pai, resolveu ir pra Grécia com a nova esposa dele, e eu não queria acompanhar ele. Viagem furada.
-Entendi, e Dom Basílio te pareceu melhor?
-Eu tive que arriscar, não é? E além do mais, eu queria ficar mais tempo com a minha mãe.
-Eles sempre foram um casal muito...sem filhos.
-Bom, há um mês eles não tinham nenhum. Agora já estão com dois.

Alguém bateu na porta. Eu e ela demos um pulo na mesma sincronia com o susto. Se fosse ensaiado, não dava certo.

-Quem é?
-É o Bernard, Megan.
-Entra, Bernard.

Ela abriu a porta, eu fiquei ali parado. Ele quando me viu, também ficou ali parado.
Megan também ficou ali parada. Eu não sabia o que dizer, então...

-Oliver. Meu nome, é Oliver. Oliver Frieddbach.


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Capítulo Cinco: O nome dela.


É uma manhã fria de terça-feira. A porcaria do relógio não despertou denovo. Eu devo fazer alguma coisa pra conseguir acordar no horário certo nos próximos dias até meu organismo se acostumar com isso. Em São Paulo eu estudava a tarde, e podia dormir o quanto quisesse. Aqui tenho que me levantar junto com a minha mãe, bem cedinho. É sempre assim. Eu me arrumo, desço as escadas e ela já está lá cantarolando alguma música brega e preparando o café.
Mas, hoje foi diferente. Desci as escadas em silêncio, e milagrosamente o Augusto já estava de pé. Ele geralmente acordava duas horas depois.

-...e ele vai ter que entender.
-Eu sei, eu sei. Mas eu tive tanto trabalho pra decorar o quarto dele.
-Bom, desdecore.
-Desdecore?
-É.
-Desdecorar você acha que vai ser a solução? Por favor, Augusto. É meu filho!
-Isso mesmo, SEU filho.
-Eu achei que você tivesse uma consideração por ele pelo menos.
-Ele é um garoto estranho, Virgínia.
-Defina estranho.
-Ele só é estranho, eu vou lá saber! Passa o dia inteiro ouvindo aquela cantora horrível com nome de agressão física.


-O nome dela é Soko.

Eu estava no batente da porta da cozinha. Os dois ficaram mudos, minha mãe quase se engasgou com sua torrada e Augusto fez aquela cara que o Roberto Justus faz quando demite alguém.
Eu sentei na mesa e comecei a comer meu pão integral com uma fatia de queijo branco. Não sou dos vegetarianos mais radicais, sabe. Eles ficaram lá parados me olhando.

-O leite acabou? - eu perguntei. Me deram o leite.

-Há quanto tempo você estava aí, filho?
-Eu moro aqui, mãe.
-Você sabe o que eu quis dizer!
-Desde a parte da decoração do meu quarto. Aliás, foi uma ótima xerox do meu antigo quarto por sinal.
-Eu procurei fazer tudo ao seu gosto.
-Eu gostei. Obrigado.
-A questão Oliver, é que essa era uma conversa pessoal - diz Augusto ainda com aquela cara.
-Se estavam falando de mim, eu tenho o direito de saber.
-Eu também acho. - diz minha mãe.
-Mas não era sobre você, Oliver.
-Ah, então provavelmente quando você disse "SEU filho" você estava se referindo a Tina, né?
-Não Oliver. Era sobre você, mas o principal assunto não era esse!
-Vocês querem que eu vá embora? Eu posso ir. Só preciso de alguns minutos pra fazer a mala.
-Claro que não filho, nós adoramos ter você aqui.
-Então não vão precisar ''desdecorar'' meu quarto.
-Viu só o que você fez? - minha mãe vira pra Augusto.
-Não vejo nada demais.- diz ele.

-Será que agente pode ir? Eu não quero me atrasar. Denovo. - Eu me levanto.

-Sente-se Oliver. - diz Augusto e fica me olhando. Eu me sento. Por um momento eu penso que ele vai mover os lábios e me dizer 'você está demitido!' Mas ele olha pra minha mãe como se procurasse apoio, e ela faz um gesto positivo com a cabeça. Ele cria coragem e diz:

-Você vai ganhar um irmãozinho.

Dentro de mim eu me levanto, chacoalho o dedo na frente deles e grito 'todo esse circo pra me dizer isso???'. Mas na verdade o que eu faço é sorrir e dizer:

-Ele pode ficar com meu quarto. Eu me mudo pro de hóspedes.

Chego na aula atrasado. A menina do vestido vermelho já estava lá no canto dela lendo seu livro. Dessa vez consegui ler o nome "Jane Eyre - Charlotte Brönte". Era enorme, devia ter umas quatrocentas páginas! Me sentei na mesma mesa de ontem, queria estar perto do professor pra quando ele fizesse a chamada de presença eu escutasse perfeitamente o nome dela. Infelizmente ele começou a aula dialogando com os alunos sobre Aldous Huxley.

-A família de Aldous incluía os mais diferentes membros da classe dominante inglesa; uma elite intelectual muito grande. Seu avô era o grande biólogo Thomas Henry Huxley, que defendia a teoria evolucionista de Charles Darwin, tendo desenvolvido o conceito agnóstico. Sua mãe era irmã da romancista Humphrey Ward...

Nunca eu havia tido tanto sono como nessa aula. Pro inferno o Admirável Mundo Novo de Huxley. Eu queria saber o nome dela! Por que? Nem eu sabia ao certo, mas era uma curiosidade tão grande quanto a que eu tive essa manhã.

-...e ele escreveu Brave New World, ou como vocês conhecem, Admiráevel Mundo Novo em apenas um mês no anos de 1932.

-Está errado. - ela disse. Em meio segundo todas as cabeças presentes no local se viraram em direção ao canto inferior esquerdo da sala. Mais precisamente pro rosto da menina de vestido vermelho.

-Como? - o professor parecia perdido.

-Está errado. - ela repitiu - Brave New World foi escrito durante quatro meses. E não é apenas um. E não foi em 1932. Foi em 1931. O livro foi publicado em 32, mas foi escrito em 31. O único grande livro do tonto do Huxley.

Eu amei ela!

-Está certa disso, senhorita?

-Qualquer um que pesquisar no Google vai encontrar a resposta, se você está duvidando de mim.

Uma das loiras burras disse:

-Ah! A muda resolveu falar e bancar a intelectual....! - isso provocou risinhos abafados.

-Eu apenas uso meu cérebro. Você devia tentar fazer isso as vezes. Por mais doloroso que possa ser pra você, vai valer a pena.

Explosão de riso geral.

-Só porque você não tem amigos e passa o dia lendo livros com quatrocentas páginas, não te faz melhor do que ninguém! - disse uma das loiras burras e ricas.

-Harry Potter e as Relíquias da Morte tem 784 páginas. - diz um dos nerds ressentido.

-Cala boca, Kevin. Não venha falar denovo do seu Harry merda... - diz um das loiras burras.

-HARRY MERDA??? - Três dos nerds se levantam! - Saiba você que J.K. Rowlling é mais rica do que a Rainha Elizabeth, e que a marca Harry Potter vale mais de 4 bilhões de dólares!

O professor acalma os ânimos da galera. A menina do vestido vermelho ri achando tudo muito estúpido e continua sua leitura de Jane Eyre.

-Poderia nos dizer que livro está lendo, Megan?

Megan! Megan! Megan! Megan! Megan!
Juro por Deus que nesse momento meu coração até bateu mais forte! O nome dela é Megan!

-É uma biografia ficcionial da personagem Jane Eyre. De Charlotte Brönte. Pra ser mais exata, uma biografia com 483 páginas.

-É um ótimo livro, Megan. - Disse o professor - Mas, agora concentre-se na aula, ok?

E continuou falando sobre o Aldous Huxley. Não prestei atenção na aula, fiquei o tempo todo repetindo o nome dela pra mim mesmo, em pensamento. No final, pelo que eu consegui ouvir, ele queria uma pesquisa sobre vida e obra do tonto do Huxley. Isso foi revoltante!

Cheguei em casa, e meu quarto ainda estava no lugar. Acho que ia levar uns bons sete meses antes do Augusto querer me transeferir pro quarto ao lado (menor e abafado). Fui direto pra minha janela, e taquei a cara a olhar pra casa da direita. Megan estava na janela dela e me viu também. Eu fiquei meio sem graça, mas subitamente ela gritou:

-Você quer vir aqui?

Quase tive um colapso nervoso. Juntei minhas forças, disse que adoraria e desci as escadas. Megan! Que nome lindo, não?


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